quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Escrevi pra você VII

Patrícia não ouve os sinos do passado. Além de insensível, a sinfonia melodiosa dos atos, antes terríveis, nada representam senão espectros de um ser desconhecido a ela. Sob essa égide, havia duas garotas, a que imagino e a real. Distintas distantes flores em jardim alado.

Sem toque, o passado hipertrofiado nutre os músculos assíduos desse Amor, um Amor real, plausível, táctil, o Amor palpável sem pele ou cheiro tecendo sulcos¹
na estrada, até pouco, transitada por nós. Sons inaudíveis, calor, suor. Pálpebras dilatadas, arranhões, gozo...passado lembrado, vivo e eternizado. Seu cheiro. O gosto alvo macio em seu sorriso. - “Daí-me outra cor que não seja a do teu olhar.” Supostas vãs tentavas noutros seres com seu nome. Inúteis viagens a terras onde não estivestes. Delirantes alucinações de seu rosto. Deduções alcoólicas sem supor a ressaca-drama ao despertar noutra cama sem ti. Constatação, me perdi.

Ó divinal ser em minha adolescência perdida, dai-me luz me guiando para seus braços. Ó torrente idealização delirante, vinde a mim trazendo-te, preenche em vida pulmões ar respirando-te, silencia o grito dor-latente na voz que anseio, mostra no senão o sim almejado e, cansado, acalenta em seus braços o traço abraço distante em lembrança coroando o céu em dança, seu “oi” em esperança, sua vida na minha. Por força das palavras, em sonho, patrícia corou.Aos olhos esperança, ao peito clamor. Com os pés no chão, Patrícia assiste, com ou sem asas, vôos “adolescentes-adultos” nessa estrada.

¹Rego aberto pelo arado ou pela agricultura.

Helder Santos

03:47 am

14-09-11

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Escrevi pra você VI.

É impossível mensurar a alegria nascente em meu coração a partir de aceitações ainda incertas num sentimento a mim latente. Olhando pela janela, Patrícia trouxe a tona memórias adormecidas nos meus melhores sonhos.

Caminhávamos banhados por uma lua inexistente aos tempos de agora. Friorenta, tremia com a mínima brisa, sorria com mínimos gestos denunciando a cor visceral em seu toque. Espectadores de nós e eu, pouco entendiam sobre o singelo sorrir da menina usando blusa pólo masculina e, sendo eu, novo em situação de ceder, estendia, sem camisa, um tipo de coragem que precisaria mais tarde acentuando o valor em sentir frio por alguém tão especial.

Meia noite, sinto o sino da igreja ao lado se misturar ao estrondeante vibrar dos nossos corpos e o ensurdecedor barulho analógico num celular .

- Alguém casara essa noite? Por quem badalavam os sinos?

- Alguma tradição católica explicaria.

- Não entendi, justo nesse dia?

Sons uniam-se distantes em perfeição. Sinos por si não haveriam de despertar-me. Quanto ao celular, esse teima em tirar minha paz, tomar meu sono. Por vezes esperei outro toque da voz suave a quem destino versos, pessoalmente ou via o número ao qual não devo ou posso discar. O toque “malemolente” de quem me lê, o cheiro azul-púrpura de seu sorriso me levando ao desejo incontrolável de não saber do amanhã. Mas, essa noite, não. Precisava descansar, misturar tonalidades em aquarela restante e respirar o sabor em mãos perfume adolescente, recém renascidas mãos ao tocar seu rosto. A palma da mão escorregando em minha face, desconhecedora do poder sobre mim. Sem percepção ou desejo, numa intensidade frenética, palavras ditas badalam sinos do passado. Visitas quase que diárias, blusas folgadas delineando curvas num bailar de cabelos cheios em sensualidade pela rua onde sempre transitei. A ausência de sua voz agitada “passeando” de rouca a estridente remete a fachada simples da (na) calçada telespectadora desses passos apressados sugerindo cuidado nas calçadas desconhecidas a mim no final do nosso mais breve encontro . A vida sem minhas lembranças no “brilho eterno” da lembrança em mim assistindo pela calçada, você, pela janela, pegar o celular, ligar pra outro alguém. Olhando pela janela, Patrícia fez surgir uma alegria imensurável em meu coração.Com camisa pólo, essa noite, senti frio.


Helder Santos

08:00 pm

09-09-2011

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Escrevi pra você V.

Chamas do passado atiçam o vulcão subjetividade adormecido em meu coração.

Não há música ou gesto de carinho comparável ao doce-confuso sentir setembro em meu coração. A gosto, angústias “agosto” de anos, sucumbem-se quando um simples domingo dilatou meu olhar com a presença real dum ser cuja fisionomia não mudará em minha mente e na própria representação da realidade. Bela, Cálida e Sutil... Ela, demorando a reconhecer-me, sorriu. Nos segundos desajeitados entre a confirmação torrencial do ser idealizado nela e a pretensão de um sorriso recíproco, não relutei. Havia certeza, despudor em mim. Serenos, olhos brilhando em mel anunciavam a púbere alegria característica Daquela que povoa meus sonhos como o ar a purificar-se nos pulmões. Patrícia sorriu convidativamente enquanto dizia - “senta logo”. Sem hesitar seu comando, o outdoor em minha face antecedeu futuras palavras - chamas do passado atiçam o vulcão subjetividade adormecido em meu coração. Sem maiores dificuldades o consciente trouxe a tona o que aconteceu e não aconteceu nos curtos anos entre a torrencial paixão sublimada em mim, real a Ela e a longa e crucial adoração objetiva em mim, “desinteressante” a Ela. Não há palavras existentes, exprimíveis em qualquer língua que possam ser fidedignas e ao mesmo tempo práticas a ponto de relatar a objetividade essencial a cor café em seus olhos e a saudade colossal em meus, seus dedos secando a água do meu queixo a mesma intensidade dos áureos, saudosos anos. O coração palpitava. Palavras saíam aceleradas no verão após longo inverno em mim. Havia sonho, devaneio, sublimação, resignação, atitude e medo nelas. Não estava só, Patrícia falava em essência e confiança enquanto sorria de prazer assistindo o estalar de seus dedos pelos meus. Saudade, paixão, devaneio, todo e qualquer sentimento antes presenciado não pode comparar-se a satisfação-espanto apresentada por Ela enquanto peito e coração deleitavam-se ao narrar o que sabiam sobre Aquela que os controlava sem saber.

Registros atabalhoados em cenas reais de um passado aparentemente próximo a Ela vieram à tona preenchendo de esperanças o “escrevi pra você” e, numa espécie de fechamento de ciclo, me senti gradativamente liberado e preso ao que sei existir enquanto subjetividade real por dentro e objetividade latente Nela. Mas, não me senti só, não conseguiria mesmo se houvesse vontade. “Ponto a ponto”, desculpa e perdão homogeneizavam–se sem dor ou mágoa.

(Continua...)

Helder Santos

06-09-2011

07:38 pm