sexta-feira, 28 de junho de 2013

Inversamente proporcional



Comece por pensar como seria se você escrevesse o nome de todas as pessoas que você ama caracterizado seu sentimento por elas. Poderia subitamente descobrir não amar várias pessoas amando o que precisa nelas, atenção, respeito.

Ainda assim, continuas e cataloga tudo que sente. Dores, prazeres, vivências. Cada sentimento num edital onde regras internas não precisam de racionalidade e a presença desse amor se basta. Nenhuma medida parece o conter. Ee dói mais que as belas sensações, se faz menos que fazes, se não existe reciprocidade. Do que importa se é amor e o nome escrevesse em ti como o sentimento que nutres sem racionalizar?

Mas, pra que pensar em retorno? As pessoas representam mais que sua volta e a triunfal sensação que de és amado. Escrevê-las em sua mente é mais que diferenciar maiúsculas e minúsculas , é transportar suas letras para um lugar maior que grafias ou palavras, é doar-se. Isso pode doer escondendo a pontinha de felicidade que multiplica sua alegria quando ela sorri e confirma minimamente seu sorriso.Muito embora escrevas em sua cabeça uma história bonita, podes escrever para alguém que te dedica outras linhas. E aí, o que pensar se seu cérebro é refém do seu coração? Não há controle remoto no amor. Sem ter pra quem escrever podes escrever pra qualquer um. Pode ser bem mais doloroso que dedicar linhas a quem amas se você sabe que essas são linhas bem escritas.

Ias bem, muito mimo, lindos livros, idas, lidas aventuras. Aí, inventas amar amando o mundo conhecidamente desconhecido em outro ser. Ser, não ser o que achavas ser ao descobrir-se entregue, sem forças, inerte. Um controle emocional descontrolado, teleguiado por quem te controla consciente disso. Outro ser, um ser mágico em sutileza, horripilante em frieza. Seu não ser dando-te vida, fazendo-te ser o que és, ser de alguém.

Lá é belo, desconhecido, intrigante e envolvente. Sentes como se tivesses o que não podes até perceber não ter . Vives um algo só seu  que por vezes é lindo e seu medo de perder o que não tem por maior que perder-se de si, então, perdes a ti perdendo-se no outro, perdendo pra si.

Lua, estrelas, amanhecer, o despontar o do sol, o cair da tarde e até o renascer não importam se a plácida luz viesse hoje e dissesse, te amo, aqui estou.  Está não estando, abrindo concessões, as fechando numa promessa vã de volta . Nasces, morres, suplica. Fazes o impossível em letras nunca lidas, palavras não ouvidas, descasos acumulados.

Amas o céu na vã tentativa de aproximar-te das nuvens, desenhas a lua na esperança de ser estrela, caminhas atrás na tentativa de estar ao lado, relutas contra o vívido não à espera de um sim. Amas o sol, sentes a luz. Não sente que quem mais te sente , sente por não sentires que estás o apagando? Dessa vez, Clarinha não chorou.


Helder Santos

27-06-2013

07:51 pm

   


domingo, 16 de junho de 2013

Uma infância feliz XIV

Possuo um sentimento que não deveria me caber. Sem conseguir desvencilhar-me dele, aceito-o maior que arranha-céus, estádios , parques, impérios. Carrego-o numa subjetividade passionalmente submissa , descompromissada de razão. Sendo devoto de santos presentes num passado teimando em corroer o resto de esperança que tenho, tento presença, laço, união. Assim, nego o que sou para pertencer a um lugar hoje desconhecido, lugar que não estou, onde não sou mais que passado.
Clarinha reluta ao escrever coisas que me comovem, sonhos que não partilho afirmando em sua doçura que preciso permitir e sonhar sonhos não meus. Ferimentos na pele saram deixando pequenas marcas; ferimentos na alma apavoram mais que sangue, machucam mais que a dor de um membro retirado, enferrujam o coração, secam seu ímpeto, devoram seu espírito. Gestos, pedidos de trégua, silêncio, grito. Faço-a chorar em minhas lágrimas. Tanto tempo na doce entrega em tentar evitar as suas para hoje ver tudo tornar-se um rio de mágoas nadado por nós.
Gostaria de voltar ao tempo em que éramos apenas crianças e nada ultrapassava o desejo de longos banhos de chuva, brincadeiras na rua e sentimento amizade. Nosso amor trouxe dor, o amargo ódio está por vir. Nossa separação física não dói mais que a separação do espírito, que a fragmentação do nosso ser antes único. Não há raio de sol , noite enluarada ou canção que se compare à paisagem macia em seu rosto, tela insistente em minhas lentes. Estou com frio, sede, fome e cansaço. Um descanso partido por sua partida viria com sua volta, a Clara dos tempos de criança . O que seremos se agora não formos o que fomos na infância? Do que servirá enganarmo-nos ao afirmar que está tudo bem se é hora de sentimos a dor do outro? Uma nuvem egoísta passa por nós, sinal de trovoada.

16-06-2013
11:20 am
Helder Santos